IARA PASSOU quase metade de seus 71 anos trabalhando como empregada de uma família na capital paulista, sem nunca ter recebido salário ou qualquer outro direito trabalhista. “É o que as patroas falam sempre pra gente: aqui em casa de família vocês não têm que pagar a roupa, não têm que pagar aluguel, não têm que pagar comida”, relata.
O trabalho em âmbito doméstico responde por 43 dos 248 novos casos de escravidão relacionados na mais recente atualização da “lista suja” do trabalho escravo, como é conhecido o cadastro de empregadores responsabilizados por esse crime, divulgado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Esse é o tema do quarto episódio do podcast No Labirinto, programa da Rádio Batente, a central de podcasts da Repórter Brasil. Nesta segunda-feira (03), a apresentadora e roteirista Cláudia Jardim narra a história de Iara, nome fictício criado para proteger a identidade da trabalhadora.
Depois de deixar um orfanato no interior de São Paulo, aos 10 anos, ela passou pela residência de diversas famílias, até chegar à casa de onde seria resgatada por autoridades, em 2022. A inspeção foi motivada por uma denúncia anônima: “Ela trabalha das 6 da manhã à meia-noite. A idosa não recebe salário, vestimentas, auxílio médico ou qualquer direito trabalhista”, dizia o texto do alerta.
Em entrevista ao podcast, a procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT), Aline Oishi, revela o que falou a Iara, ao retirá-la da casa onde havia vivido por mais de três décadas: “Esse é o momento da senhora sair daqui para a gente buscar uma outra vida”.
Em março de 2023, o casal Maria Sidrônia Chaves de Oliveira e José Enildo Alves de Oliveira, empregadores de Iara, foram condenados em primeira instância pela 30ª Vara do Trabalho de São Paulo. A sentença determinou o pagamento de R$ 800 mil, incluindo salários, verba rescisória e indenização por danos morais.
A defesa do casal entrou com recurso — a apelação poderá ser julgada ainda neste ano. A Repórter Brasil procurou o casal para uma entrevista. Porém, por meio de seu advogado, o pedido foi rejeitado.
Nos autos do processo, Maria Sidrônia e José Enildo alegam inocência. A defesa sustenta que “todos nutrem muito carinho por ela” e que “nunca existiu relação laboral porque ela é considerada como um membro da família”.
Na decisão, a juíza Maria Fernanda Zipinotti Duarte afirmou que as “condições análogas à de escravo”, como definido pela legislação, são especialmente cruéis quando se trata de trabalho doméstico.
“Por óbvio, a trabalhadora desprovida de salário por mais de 30 anos não possui plena liberdade de ir e vir. Não possui condições de romper a relação abusiva de exploração de seu trabalho, pois desprovida de condições mínimas de subsistência longe da residência dos empregadores, sem meios para determinar os rumos de sua própria vida”, sustentou a magistrada na sentença.
Ficha técnica No Labirinto
Roteiro e apresentação: Claudia Jardim
Produção: Raquel Baster
Desenho sonoro e mixagem: Niquini Júnior
Música: tepeyac usto
Arquivo: Agência Nacional – Propaganda da ditadura militar
Ilustração: Kael Abello – Utopix
Edição de vídeo: Bruna Damin
Redes Sociais: Tamyres Matos e Beatriz Vitória
Coordenação: Carlos Juliano Barros